O pasado 14 de novembro, Xulio Montero e os curas obreiros galegos receberam uma merecida homenagem na Eira da Xoana. Quando se fez o cartaz de difusão do ato, punha “crego obreiro”, mas eu pedi-lhes aos amigos da Eira que o cambiaram por cura, e assim o fizeram.
estar fundamente metido na carne e na terra das pessoas às quais devem servir; sem isso, o seu ministério não tem sentido
Hoje alguns pensam que não faz falha na Igreja o ministério ordenado, que é uma rêmora para o porvir da Igreja e cumpre “acabar com os curas”, mesmo que sejam homens ou mulheres. Eu, e bastantes coma mim, pensamos que não. Certamente, cumpre acabar com o clericalismo: a casta de cregos funcionários, presuntamente assexuados e mais bem reprimidos, autoritários, abusadores, que formam um estamento patriarcal… Mas cumprem curas, homens e mulheres, crentes, servidores gratuitos, curadores, irmãos e irmãs entre os irmãos e irmãs. Pedro Casaldáliga quadrava completamente comigo: “Hoje pede-se com urgência a desclericalização; mas isto não significa que se negue o ministério sacerdotal, pede-se outro modo de ministério sacerdotal… solidário com todas as grandes causas da humanidade, a partir dos pobres e os marginados… Os curas obreiros foram o primeiro grande intento de desclericalização do clero, entendido o clericalismo como distância e privilégio, na Igreja e na sociedade”. Fazia-o precisamente no epílogo dum livro que tinha que ver com a homenagem de que estou a falar: Los curas obreros en España (2004), da autoria do grande amigo meu Julio Pinillos.
Falava-se há uns anos de que a identidade do cura tinha que estar marcada por três vectores: vigia, guia e mediador. Vigia, não para controlar autoritariamente, mas como profeta para “dizer uma palavra de ânimo ao abatido”. Guia ou pastor que reconheça os valores de cada pessoa e da comunidade, promovendo a liberdade na fidelidade. E mediador ou acompanhante no caminho com os débeis e os excluídos. Quem diz que as comunidades e a sociedade não precisam de profetas, pastores ou mediadores, ademais de não ter em conta os mais débeis, cuido que é um iluso auto-suficiente. A animosa presença na Eira de Xoana dos/as antigos companheiros/as de Xulio no trabalho na fábrica, manifestando o seu agradecimento pelo que viveram com ele no labor e nas lutas de cada dia, estava a corroborar isto que estou a dizer.

Assim o tenhem manifestado eles nos seus encontros durante anos, como se pode ler nos documentos recolhidos no livro de Julio Pinillos. O seu ponto de partida foi o berro dos anos 40-50: “A Igreja perdeu à classe obreira”. Num dos seus manifestos pelos anos 70 diziam: “Somos obreiros do Reino no mundo obreiro. A nossa fé em Jesus Cristo impulsa-nos a querer vivê-la em toda a sua radicalidade”. Nicolás Castellanos prologava o livro de J. Pinillos com estas palavras: “Compre recuperar a memoria martirial e a riqueza humana, espiritual, apostólica, humanizadora e evanxelizadora dos curas obreiros”. E Alberto Iniesta dizia: “A pregunta não é se fazer ou não pastoral obreira, mas se fazer ou não pastoral burguesa”.
Alberto Iniesta dizia: “A pregunta não é se fazer ou não pastoral obreira, mas se fazer ou não pastoral burguesa”
Isto foi o que se homenageou na Eira de Xoana, na pessoa de Xulio Montero. Xulio trabalhou mais de vinte anos em Empresas Álvarez e foi um ativo líder sindical de Comisións Obreiras, estas fizeram-lhe logo um reconhecimento do seu labor; isto sumado ao trabalho na pastoral paroquial e ser o Delegado de Pastoral Obreira da diocese. Também se homenajeaba ao jesuíta Benito Santos, que não puido assistir, mas é um referente: trabalhou em ASCÓN e outras empresas, foi também líder sindical, primeiro na USO e logo na Confederación Sindical Galega, que acabaría fusionando-se com a Intersindical Nacional dos Trabalhadores Galegos (INTG). Com ele, outros curas de Vigo: o também jesuíta Fernando Bandeira, que trabalhou em empresas Alvarez, Xosé Anton Graña, que trabalhou junto a Anton Gómez en La Metalúrgica, e o seu companheiro paul Isidro López, com o apoio do bispo Delicado Baeza. Junto a eles, cumpre lembrar os curas de Ferrol António Aneiros, Anxo Currás e Xaquín Campo, que contaram com o apoio do bispo Araújo. Estas foram as ciudades onde teve presença o movimento dos curas obreiros em Galiza.
Xulio e Benito, que permanecerem até hoje na pastoral paroquial e das comunidades, seguem a dizer que esta experiência de cura obreiro não entrou em conflito com o seu trabalho pastoral, mas ao contrario, afiuzou-no.