Na celebração do passado Dia das Letras 2021, salientou muito mais a manifestação que tivemos na compostelá praça do Obradoiro, convocado pela plataforma “Queremos galego” que o ato oficial da RAG em Vigo –no instituto da homenageada Xela Arias– com a dupla presidência de Víctor Freixanes e o Alberto Núñez Feijoo. No Obradoiro, cheio a rebentar até o que permitiam as distâncias das normas anti-COVID, o espírito reivindicativo do galego unia-se com o berro entusiasta pela língua própria de –literalmente- crianças, moços, adultos e velhos: “Queremos viver em galego!” “Uah, queremos galego já!”: porque “o galego é uma língua mui bem dotada”, que “é muito útil para a vida”, como berrou alí Isabel Risco. Dava glória ver não só os velhos militantes da língua, senão as moças e moços, e mesmo as crianças com os seus pais, berrar, cantar e bailar, abaneando pancartas e bandeiras.
Martinho Montero
A língua galega na Galiza do 2021
Este entusiasmo que vivemos o 17 de maio no Obradoiro não oculta os novos informes dramáticos da língua, que como o famoso de Alonso Montero em 1973, manifestam a situação agónica que vive o galego no 2021. É o caso do último informe da própria RAG e a invitação de Freixanes a “não mirar para outro lado” –como faz Feijoo e a Xunta-, senão a ver cara a cara essa situação dramática tal como é hoje, e buscar soluções. Uma situação na qual a perda de galegofalantes está nuns mínimos históricos –mentres que no 92 arredor do 70% da povoação galega falava habitualmente galego, o IGE indicava que no 2018 os galegofalantes não chegam ao 55%, e nas cidades só o 37%–; e na qual, apesar do teórico ensino do galego, o 30% dos moços e moças do país diz ao remate dos estudos não saber –e não querer evidentemente…– falar galego.
O entusiasmo do 17 de maio no Obradoiro não oculta os novos informes dramáticos da língua
Entre outras coisas, porque –como lembrou no Obradoiro Marcos Maceiras, presidente da Mesa pela Normalização Linguística– “40 anos de autonomia não garantiram a possibilidade de emprego da língua própria com total liberdade, sem restrições, com presença absoluta na Administração pública, na empresa, na vida social e cultural: sem coações que obriguem a optar por outra língua renunciando à própria, para manter o posto de trabalho”. Apesar disso, Feijoo dizia o mesmo dia em Vigo que os 40 anos do Estatuto de Autonomia supuseram para o país “um milagre de câmbio”, “um novo rexurdimento” no qual “a língua é o grande catalizador”. Devemos estar a falar de países distintos… Ana Pontón, portavoz do BNG, falava no Obradoiro para os meios de “doze anos de políticas linguicidas” por parte da Xunta, da “política de acosso ao idioma próprio”, e a necessidade de desconfiná-lo e lutar para seguir ganhando normalidade e espaços novos para o galego.
17 de maio no Obradoiro
O Manifesto de 1974
Em setembro de 1974 viu a luz na revista portuguesa Seara nova, e um mês depois em Cuadernos para el diálogo, o “Manifesto para a supervivência da cultura galega”, assinado por Martinho Montero e uma dúzia mais de curas e leigos que estavam daquela em Roma; entre eles o patrólogo e logo bispo galego en Madrid Uxio Romero Pose, que finaria na capital de Espanha no 2007.
Na Introdução da publicação, o diretor da revista e reconhecido filólogo Manuel Rodrigues Lapa (1897-1989) –amigo de Carvalho Calero e defensor de que o galego se escreva com ortografia portuguesa–, diz que o texto “deverá estar na base de tudo quanto daqui em diante se escrever sobre o problema do galego, onde mergulham as nossas mais antigas raízes”. E diz também: “É particularmente significativo que sejam os jovens galegos estrangeirados, em contato com novas gentes e novas culturas, sem complexos nem tibiezas, os que desejam reafirmar a profunda irmandade, no campo da cultura e da língua, entre os dois povos de aquém e de além Minho”. A sua argumentação a favor dessa escrita é que “uma coisa é a língua que falamos e outra a que escrevemos”. Mas não foi assim na escrita posterior nas décadas seguintes até hoje.
Resulta atualíssimo o que se dizia há 45 anos: “A língua galego-portuguesa está mui longe de gozar em Galícia de paridade de direitos com a língua castelhana”
Tampouco houve o progresso que se desejava no uso do galego, e para o que se faziam umas propostas concretas verbo dos meios de comunicação (rádio, tv, imprensa), o ensino, a Administração e a Igreja. Temos rtv galega, mas mui frustrante e com escasso eco nas urbes; as cadeias privadas são nulas ao respeito, apesar dos anos gloriosos em que a COPE apostou pelo galego, por obra de egrégios padres como Xesús Mato. E a respeito de que “haverá de se possibilitar a perfeita audição em Galícia das emissoras portuguesas”, no coment. Verbo dos jornais, pedia-se no Manifesto “aumentar as publicações em língua galego-portuguesa numa proporção pelo menos ao 50 por cento”; mas, ainda que temos um jornal em galego –Nós. Diario, que invito a leitor apoia-lo–, nos outros diários não ha mais que uma presença simbólica em alguns colunistas.
O ensino já dizemos como vai; particularmente no que se pedia há mais de 45 anos duma “planificação que garantize a perfeita aprendizagem das duas línguas por todos os nenos e jovens de Galícia”, “que conduza todos os alunos a saber falar e escrever corretamente os dois idiomas”… Outro tanto ocorre com a Administração e a Igreja. Verbo desta última, a situação do galego é hoje pior que então, ainda que se disponha da Bíblia e de todos os textos litúrgicos em galego. Bem é certo que ainda se mantém a chama da esperança com um projeto recente como “Fagamos Igrexa galega”, por parte dum grupo de leigos/as, monxas e curas que, inasequíveis ao desalento, seguem teimando na galeguização desta Igreja antigalega.
Resulta atualíssimo o que se dizia há 45 anos: “Na situação atual, a língua galego-portuguesa está mui longe de gozar em Galícia de paridade de direitos com a língua castelhana”. Penso com os meus colegas reintegracionistas que na perspectiva dun galego que segue a perder constantemente falantes novos, frente aos que dizem que o reintegracionismo dificultaria mais isto, possivelmente poderia frear-se o descenso do galego com uma nova visão do idioma como “extenso e útil”, que dizia já Castelao; e –ainda valorando mui positivamente as publicações galegas– com todos os recursos (livros, películas, tv, programas informáticos, etc.) de que se dispõe em português. Como dizia Carvalho Calero naquelas datas, a nossa alternativa é “ou galego-castelhano ou galego-português”; mas a primeira é a morte do galego.